terça-feira, 20 de outubro de 2015

características do gênero "Crônica"



VAMOS CONHECER UM POUCO SOBRE A CRÔNICA



  1) Características de Crônica (RESUMO):

-Ligada à vida cotidiana;
-Narrativa informal, familiar, intimista;
-Uso da oralidade na escrita: linguagem coloquial;
-Sensibilidade no contato com a realidade;
-Síntese;
-Uso do fato como meio ou pretexto para o artista exercer seu estilo e criatividade;
-Dose de lirismo;
-Natureza ensaística;
-Leveza;
-Diz coisas sérias por meio de uma conversa fiada;
-Uso só humor;
-Brevidade;
-É um fato moderno: está sujeita à rápida transformação e à fugacidade da vida moderna.


2) O que é crônica?

Crônica é uma narração, segundo a ordem temporal. O termo é atribuído, por exemplo, aos noticiários dos jornais, comentários literários ou científicos, que preenchem periodicamente as páginas de um jornal.
Crônica é o único gênero literário produzido essencialmente para ser veiculado na imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja nas de um jornal. Quer dizer, ela é feita com uma finalidade utilitária e pré-determinada: agradar aos leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização, criando-se assim, no transcurso dos dias ou das semanas, uma familiaridade entre o escritor e aqueles que o leem.

Características

A crônica é, primordialmente, um texto escrito para ser publicado no jornal. Assim o fato de ser publicada no jornal já lhe determina vida curta, pois à crônica de hoje seguem-se muitas outras nas próximas edições. Há semelhanças entre a crônica e o texto exclusivamente informativo. Assim como o repórter, o cronista se inspira nos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica. Entretanto, há elementos que distinguem um texto do outro. Após cercar-se desses acontecimentos diários, o cronista dá-lhes um toque próprio, incluindo em seu texto elementos como ficção, fantasia e criticismo, elementos que o texto essencialmente informativo não contém. Com base nisso, pode-se dizer que a crônica situa-se entre o Jornalismo e a Literatura, e o cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia. A crônica, na maioria dos casos, é um texto curto e narrado em primeira pessoa, ou seja, o próprio escritor está "dialogando" com o leitor.

                         
Retirado do site: http://nrportugues.blogspot.com.br/p/cronicas-1.html (acesso em 20/10/2015)

PARTE 3 - NO MUNDO DO CONSUMO (COLEÇÃO "PARA GOSTAR DE LER" (VOL. 1)



PARTE 3 – NO MUNDO DO CONSUMO

3.1 Conversa de compra de passarinho, Rubem Braga.
3.2 Aspirador, Fernando Sabino.
3.3 Caso de arroz, Carlos Drummond de Andrade.
3.4 A cesta, Paulo Mendes Campos

Parte 3 (No mundo do consumo) - Crônica 1

CONVERSA DE COMPRA DE PASSARINHO
Rubem Braga

          Entro na venda para comprar uns anzóis e o velho está me atendendo quando chega um menino da roça, com um burro e dois balaios de lenha. Fica ali, parado, esperando. O velho parece que não o vê, mas afinal olha as achas com desprezo e pergunta: “Quanto?” O menino hesita, coçando o calcanhar de um pé com o dedo de outro. “Quarenta”. O homem da venda não responde, vira a cara. Aperta mais os olhos miúdos para separar os anzóis pequenos que eu pedi. Eu me interesso pelo coleiro do brejo que está cantando. O velho:
          – Esse coleiro é especial. Eu tinha aqui um gaturamo que era uma beleza, mas morreu ontem; é um bicho que morre à toa.
         Um pescador de bigodes brancos chega-se ao balcão, murmura alguma coisa: o velho lhe serve cachaça, recebe, dá troco, volta-se para mim: “- O senhor quer chumbo também?” Compro uma chumbada, alguns metros de linha. Subitamente ele se dirige ao menino da lenha:
          – Quer vinte e cinco? Pode botar lá dentro.
          O menino abaixa a cabeça, calado. Pergunto:
          – Quanto é o coleiro?
          – Ah, esse não tenho para venda, não…
          Sei que o velho esta mentindo; ele seria incapaz de ter um coleiro se não fosse para venda; miserável como é, não iria gastar alpiste e farelo em troca de cantorias. Eu me desinteresso. Peço uma cachaça. Puxo o dinheiro para pagar minhas compras. O menino murmura: “- O senhor dá trinta…?” O velho cala-se, minha nota na mão.
          – Quanto é que o senhor dá pelo coleiro?
          Fico calado algum tempo. Ele insiste: “- O senhor diga…” Viro a cachaça, fico apreciando o coleiro.
          – Se não quer vinte e cinco vá embora, menino.
          Sem responder, o menino cede. Carrega as achas de lenha para os fundos, recebe o dinheiro, monta no burro, vai-se. Foi no mato cortar pau, rachou cem achas, carregou o burro, trotou léguas até chegar aqui, levou 25 cruzeiros. Tenho vontade de vingá-lo:
          – Passarinho dá muito trabalho…
          O velho atende outro freguês, lentamente.
          – O senhor querendo dar quinhentos cruzeiros, é seu.
          Por trás dele o pescador de bigodes brancos me fez sinal para não comprar. Finjo espanto: “- Quinhentos cruzeiros?”
          – Ainda a semana passada eu rejeitei seiscentos por ele. Esse coleiro é muito especial.
        Completamente escravo do homem, o coleirinho põe-se a cantar, mostrando sua especialidade. Faço uma pergunta sorna: “- Foi o senhor quem pegou ele?” O homem responde: “- Não tenho tempo para pegar passarinho.”
          Sei disso. Foi um menino descalço, como aquele da lenha. Quanto terá recebido esse menino desconhecido, por aquele coleiro especial?
          – No Rio eu compro um papa-capim mais barato…
          – Mas isso não é papa-capim. Se o senhor conhece passarinho, o senhor está vendo que coleiro é esse.
          – Mas quinhentos cruzeiros?
          – Quanto é que o senhor oferece?
          Acendo um cigarro. Peço mais uma cachacinha. Deixo que ele atenda um freguês que compra bananas. Fico mexendo com o pedaço de chumbo. Afinal digo com voz fria, seca: “- Dou duzentos pelo coleiro, cinquenta pela gaiola.”
          O velho faz um ar de absoluto desprezo. Peço meu troco, ele me dá. Quando vê que vou saindo mesmo, tem um gesto de desprendimento: “Por trezentos cruzeiros o senhor leva tudo.”
          Ponho minhas coisas no bolso. Pergunto onde é que fica a casa de Simeão pescador, um zarolho. Converso um pouco com o pescador de bigodes brancos, me despeço.
          – O senhor não leva o coleiro?
          Seria inútil explicar-lhe que um coleiro do brejo não tem preço. Que o coleiro do brejo é, ou devia ser, um pequeno animal sagrado e livre, como aquele menino da lenha, como aquele burrinho magro e triste do menino. Que daqui a uns anos quando ele, o velho, estiver rachando lenha no inferno, o burrinho, menino e o coleiro vão entrar no Céu – trotando, assobiando e cantando de pura alegria.

Parte 3 (No mundo do consumo) - Crônica 2

ASPIRADOR
Fernando Sabino

Antes que eu lhe pergunte o que deseja, o gordinho começa a exibir-me uma aparelhagem complicada, ainda na porta da rua. São tubos que se ajustam, fio para ligar na tomada, escovinhas de sucção e outros apetrechos.
– Entre – ordenei.
Ora, acontece que jamais prestei sentido na existência dos aspiradores de pó.
Por isso é que fui logo cometendo a imprudência de convidar o gordinho a exibir-se de uma vez no interior da sala. Na porta da rua venta e faz muito pó, disse-lhe ainda, tentando um trocadilho infeliz. Entramos os dois, para a tradicional peleja entre comprador e vendedor.
Vi o gordinho desdobrar-se, suando, estica o fio, não dá até a tomada, arrasta a cadeira um pouco para lá, não é isso mesmo? Ah, sim, com licença, quer limpar esse tapete?
É um tapete que arrasto comigo há anos, por todos os lugares em que venho morando. Já abafou meus passos em dias de inquietação, já recebeu alguns pulos meus de alegria, e manchas de café, de tempo, de poeira dos sapatos. Pois olhe só – em dois tempos o gordinho pôs a engenhoca a funcionar, esfrega daqui e dali, praticamente mudou a cor do meu tapete.
– Agora é que o senhor vai ver – anunciou, feliz, revelando-me a existência, dentro do aparelho, de uma sacola onde o pó se acumulava. Exibiu-me seu conteúdo com um sorriso de puro êxtase, o tarado.
Aquilo me decepcionou: pois se tinha de despejar o pó no lixo, por que não recolhê-lo de uma vez com a vassoura? Evidente burrice da minha parte – o gordinho devia estar pensando: com certeza eu esperava que o pó se volatilizasse dentro do aspirador, num passe de mágica?
Deixei que ele me enumerasse as outras aplicações do miraculoso aparelho: servia para escovar um terno, por exemplo, quer ver? E voltou para mim o cano da arma, que num terrível chupão quase me leva a manga do paletó.
– Serve também para massagens. Com sua licença – e passou-me no rosto a ponta do tubo. Minha pele foi repuxada sob a improvisada ventosa, deslocando-se ruidosamente num violento beijo de cavalo.
– Basta! – protestei: – Estou convencido. Compro o aspirador.
– E digo mais – prosseguiu ele, sem me ouvir: – Serve para refrescar o ambiente. Duvida? E só virar ao contrário…
– Não duvido não. Já está comprado. – … e funciona como um perfeito ventilador.
Fui buscar o dinheiro, paguei e despedi sumariamente o gordinho que, perplexo, continuava ainda a recitar sua lição:
– Aspira o pó dos lugares mais inacessíveis: aspira atrás das estantes, aspira cinzeiros, aspira…
– Obrigado, obrigado – e fechei a porta atrás dele.
Passei o resto da tarde me distraindo com a nova aquisição. De todas as maneiras: aspirei cinzeiros, estofados, cortinas, ternos, aspirei atrás das estantes, fiz desaparecer, até o último grão, o pó existente na casa.
Então tentei retirar das entranhas do aspirador a tal sacola, como o gordinho me havia ensinado. Para meu júbilo, estava bojuda como um balão. Só não me lembrei foi de desligar o aparelho que, como ele me havia ensinado também, virado ao contrário funciona como um perfeito ventilador: de súbito, explode no ar uma bomba de pó acumulado. Tudo voltou ao que era dantes, fui à cozinha buscar uma vassoura. És pó e em pó reverterás – pensei comigo.

Parte 3 (No mundo do consumo) - Crônica 3

Caso de arroz
Carlos Drummond de Andrade

E assim aquela eficiente dona-de-casa do Leblon resolveu o problema do arroz, do feijão, da carne e de outras preciosidades da nossa era: mudando de mercearia.
- Não! - exclamou a amiga. Não vá me dizer que Nossa Senhora Aparecida desceu por aqui e montou um supermercado. Milagre não vale!
Pois não era milagre, quem falou nisso? Era apenas a Federação, que divide (e reúne) o Brasil em nações autônomas, com seus recursos econômicos e seu comércio próprios. Os novos fornecedores de Dona Araci ficam ali no Estado do Rio. Não é precisamente no bairro em que ela mora, mas o casal comprou um carrinho paulista, e o marido de Dona Araci é um amor: concordou em ir de lotação para o escritório. Ela pegou os dois garotos, botou-os no carro e tocou para o País da Fartura, Caxias chamado:
- Vocês dão um passeio e me ajudam a carregar os sacos.
O merceeiro de Caxias vendeu a Dona Araci umas duas arrobas de magnificente arroz, mas
ponderou-lhe, com o saber de experiências feito:
- Madame não passa na barreira com esse sortimento. O máximo permitido são cinco quilos.
- Não seja por isso. Trouxe fronhas em quantidade, e vou transformar meus feijões e meu arroz em travesseiros para os meninos repousarem a cabeça - retrucou-lhe a precavida senhora.
Assim foi feito, e, de novo com o pé na tábua, a família voltou muito feliz para o País do Está-em-Falta, conhecido também por Guanabara.
Junto à barreira, a fila de caminhões e automóveis era longa, e os guardas procediam a uma investigação cabal. A Alfândega de Nova York não seria mais rigorosa, ao farejar entorpecentes ou engenhos nucleares. Alguns veículos retrocediam, e de outros os motoristas retiravam pacotes condenados, que eram entregues à lei, na pessoa de seus agentes implacáveis.
- Qual, não atravesso esse muro de Berlim - suspirou Dona Araci, desanimada. Eles fazem até radiografia da gente.
Nisso apareceu um cortejo fúnebre, que os guardas deixaram passar sem formalidades, dando-lhe preferência, e Dona Araci não teve dúvida: incorporou-se a ele, recomendando aos garotos:
- Vocês aí: façam cara triste!
E lá se foi o enterro, enorme. Que defunto seria aquele, tão estimado, a julgar pelo número de acompanhantes, pelas fisionomias compungidas? Eis que aparece o cemitério, na curva da estrada, e de súbito o imenso acompanhamento deixa o carro mortuário quase sozinho, com um ou dois carros na retaguarda, e toca para o Rio. Os motoristas interpelam-se aos gritos:
- Quantos quilos você trouxe?
- E você?
- E você?
Dona Araci não chegou a apurar quem era o morto a que prestara aquela homenagem de emergência. Os outros também não sabiam. E daí, talvez o caixão não contivesse nenhum defunto, quem sabe?

Parte 3 (No mundo do consumo) - Crônica 4

A cesta
Paulo Mendes Campos

Quando a cesta chegou, o dono não estava. Embevecida, a mulher recebeu o presente. Procurou logo o cartão, leu a dedicatória destinada ao marido, uma frase ao mesmo tempo amável e respeitosa.
Quem seria? Que amigo seria aquele que estimava tanto o marido dela? Aquela cesta, sem dúvida nenhuma, mesmo a uma olhada de relance custava um dinheirão. Como é que ela nunca tivera notícia daquele nome? Ricos presentes só as pessoas ricas recebem. Eles eram remediados, viviam de salários, sempre inferiores ao custo das coisas. Sim, o marido, com o protesto dela, gostava de bons vinhos e boa mesa, mas isso com o sacrifício das verbas reservadas a outras utilidades.
De qualquer forma, aquela cesta monumental chegava em cima da hora. E se fosse um engano?  Não, felizmente o nome e o sobrenome do marido estavam escritos com toda a clareza e o endereço  estava certo.
Alvoroçada, examinou uma a uma as peças envoltas em flores e serpentinas de papel colorido. Garrafas de uísque escocês, champanha francês, conhaque, vinhos europeus, pâté, licores, caviar, salmão, champignon, uma lata de caranguejos japoneses... Tudo do melhor. Mulher prudente, surripiou umas garrafas e escondeu-as nas gavetas femininas do armário. Conhecia de sobra a generosidade do marido: à vista daquela cesta farta, iria convidar todo o mundo para um devastador banquete. Isto não tinha nem conversa, era tão certo quanto dois e dois são quatro. Mas quem seria o amigo? Esperou o regresso do marido, morrendo de curiosidade.
E ei-lo que chega, ao cair da noite, cansado, sobraçando duas garrafas de vinho espanhol, uma garrafa de uísque engarrafado no Brasil, um modesto embrulho de salgadinhos. Caiu das nuvens ao deparar com a gigantesca cesta. Pálido de espanto, não tanto pelo valor material do presente (era um sentimental), mas pelo valor afetivo que o mesmo significava, começou a ler o cartão que a mulher lhe estendia. Houve um longo minuto de densa expectativa, quando, terminada a leitura, ele enrugou a testa e se concentrou no esforço de recordar. A mulher perguntava aflita:
- Quem é?
Mais da metade da esperança dela desabou com a desolada resposta:
- Esta cesta não é para mim.
- Como assim? Você anda ultimamente precisando de fósforo.
- Não é minha.
- Mas olhe o endereço: é o nosso! O nome é o seu.
- O meu nome não é só meu. Há um banqueiro que tem o nome igualzinho. Está na cara que isto é cesta pra banqueiro.
- Mas, o endereço?
- Deve ter sido procurado na lista telefônica.
Ela não queria, nem podia, acreditar na possibilidade do equívoco.
- Mas faça um esforço.
- Não conheço quem mandou a cesta.
- Talvez um amigo que você não vê há muito tempo.
- Não adianta.
- Você não teve um colega que era muito rico?
- O nome dele é completamente diferente. E ficou pobre!
- Pense um pouco mais, meu bem.
Novo esforço foi feito, mas a recordação não veio. Ela apelou para a hipótese de um admirador.
Afinal, ele era um grande escritor, autor de um romance que fizera sucesso e de um livro para crianças, que comovera leitores grandes e pequenos.
- Um fã, quem sabe é um fã?
- Mulher, deixa de bobagens... Que fã coisa nenhuma!
- Pode ser sim! Você é muito querido pelos leitores.
A idéia o afagou. Bem, era possível. Mas, em hipótese nenhuma, ficaria com aquela cesta, caso não estivesse absolutamente certo de que o presente lhe pertencia.
- Sou um homem de bem!
Era um homem de bem. Pegou o catálogo, procurou o telefone do homônimo banqueiro, falou diretamente com ele depois de alguma demora: não é muito fácil um desconhecido falar a um
banqueiro.
Aí, a mulher ouviu com os olhos arregalados e marejados:
- Pode mandar buscar a cesta imediatamente. O senhor queira desculpar se minha mulher desarrumou um pouco a decoração. Mas não falta nada.
A mulher foi lá dentro, quase chorando, e voltou com umas garrafas nas mãos.
- Eu já tinha escondido estas.
- Você é de morte. Coloque as garrafas na cesta.
Vinte minutos depois, um carro enorme parava à porta, subindo um motorista de uniforme. A cesta engalanada cruzou a rua e sumiu dentro do automóvel. Ele sorria, filosoficamente. Dos olhos da mulher já agora corriam lágrimas francas. Quando o carro desapareceu na esquina, ele passou o braço em torno do pescoço da mulher:
- Que papelão, meu bem! Você ficou olhando para aquela cesta como se estivesse assistindo à saída de meu enterro.
E ela, passando um lenço nos olhos:
- Às vezes é duro ser casada com um homem de bem

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Parte 2 - Para gostar de ler (volume 1)

PARTE 2 – ANIMAIS

2.1 O pintinho, Carlos Drummond de Andrade.
2.2 História triste de tuim, Rubem Braga.
2.3 A verdadeira história do pio, Paulo Mendes Campos
2.4 O dia da caça, Fernando Sabino.

Parte 2 (Animais) - Crônica 1

O PINTINHO
Carlos Drummond de Andrade

Foi talvez de um filme de Walt Disney que nasceu a moda de enfeitar com pintinhos vivos as mesas de aniversário infantil. Era uma excelente ideia, no mundo ideal do desenho animado; conduzida para o mundo concreto dos apartamentos, também alcançou êxito absoluto. Muitos garotos e garotas jamais tinham visto um pinto de verdade, e queriam comê-lo, assim como estava, imaginando ser uma espécie de doce mecânico, mais saboroso. Houve que contê-los e ensinar-lhes noções urgentes de biologia. As senhoras e moças deliciaram-se com a surpresa e gula dos meninos, e foram unânimes em achar os pintos uns amorecos. Mas estes, encurralados num centro de mesa, entre flores que não lhes diziam nada ao paladar, e atarantados por aquele rumor festivo e suspeito, deviam sentir-se absolutamente desgraçados. 
Como a celebração do aniversário terminasse, e ninguém sabia o que fazer com os pintos, pareceu à dona da casa que seria gentil e cômodo oferecer um a cada criança, transferindo assim às mães o problema do destino a dar-lhes. O único inconveniente da solução era que havia mais guris do que pintos, e não foi simples convencer aos não contemplados que aquilo era brincadeira para guris ainda bobinhos, e que mocinhas e rapazinhos de nível mental superior não se preocupam com essas frioleiras. 
Os pintos, em consequência, espalharam-se pela cidade, cada qual com seu infortúnio e seu proprietário exultante. O interesse das primeiras horas continuava a revestir-se de feição ameaçadora para a integridade física dos recém-nascidos (se é que pinto produzido em incubadora realmente nasce). Um deles foi parar num apartamento refrigerado, e posto a um canto da copa, sobre uma caixinha de papelão forrada de flanela. Semeou-se em redor o farelinho malcheiroso que o gerente do armazém recomendara como alimento insubstituível para pintos tenros, e que (o pai leu na enciclopédia) devia ser, teoricamente, farinha de baleia. A ideia da baleia alimentando o pinto encheu o garotinho de assombro, e pela primeira vez o mundo lhe apareceu como um sistema.  O pinto sentia um frio horroroso, mas desprezava a flanela, e a todo instante se descobria, tentando fugir. Procurava algo que ele mesmo não sabia se era calor da galinha ou da criadeira. À falta de experiência, dirigiu seus passinhos na direção das saias que circulavam pela copa. As saias nada podiam fazer por ele, senão recolocá-lo em seu ninho, mas o pinto procurava sempre, e piava.  O garoto queria carregá-lo, inventava comidas que talvez interessassem àquele paladar em formação. Não senhor - explicou-lhe a mãe:
- Não se pode pegar, não se pode brincar, não se pode dar nada, a não ser farelo e água. 
- Nem carinho? 
- Meu amor, carinho de gente é perigoso para bicho pequeno. 
Mas o pinto, mesmo sem saber, estava querendo era um palmo sujo de terra, com insetos e plantas comestíveis, o raio de sol batendo na poça d'água caída do céu, e companhia à sua altura e feição, e, numa casa assim tão bonita e confortável, esses bens não existiam. E piava. 
A situação começou a preocupar a dona da casa, que telefonou à amiga doadora do pinto: que fazer com ele? 
- Querida, procure criá-lo com paciência, e no fim de três meses bote na panela, antes que vire galo. É o jeito. 
Não virou galo, nem caiu na panela. No fim de três dias, piando sempre e sentindo frio, o pinto morreu. Foi sua primeira e única manifestação de vida, propriamente dita. 
O menino queria guardá-lo consigo, supondo que, inanimado, o pinto se transformara em brinquedo, manuseável. Foi chamado para dentro, e quando voltou o corpinho havia desaparecido na lixeira. 

Parte 2 (Animais) - Crônica 2

HISTÓRIA TRISTE DE TUIM
 Rubem Braga

João-de-barro é um bicho bobo que ninguém pega, embora goste de ficar perto da gente, mas de dentro daquela casa de João-de-barro vinha uma espécie de choro, um chorinho fazendo tuim, tuim, tuim....
A casa estava num galho alto, mas um menino subiu até perto, depois com uma vara de bambu conseguiu tirar a casa sem quebrar e veio baixando até o outro menino apanhar. Dentro, naquele quartinho que fica bem escondido depois do corredor de entrada para o vento não incomodar, havia três filhotes, não de João-de-barro, mas de tuim.
Você conhece, não? De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tuim é capaz de ser menor. Tem bico redondo e rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas penas azuis para enfeitar. Três filhotes, um mais feio que o outro, ainda sem penas, os três chorando. 
O menino levou-os para casa, inventou comidinhas para eles, um morreu, outro morreu, ficou um. Geralmente se cria em casa é casal de tuim, especialmente para se apreciar o namorinho deles. 
Mas aquele tuim macho foi criado sozinho e, como se diz na roça, criado no dedo. Passava o dia solto, esvoaçando em volta da casa da fazenda, comendo sementinhas de imbaúba. Se aperecia uma visita fazia-se aquela demonstração: era o menino chegar na varanda e gritar para o arvoredo: tuim, tuim, tuim! Às vezes demorava, então a visita achava que aquilo era brincadeira do menino, de repente surgia a ave, vinha certinho pousar no dedo do garoto.
Mas o pai disse: "menino, você está criando muito amor a esse bicho, quero avisar: tuim é acostumado a viver em bando. Esse bichinho se acostuma assim, toda tarde vem procurar sua gaiola para dormir, mas no dia que passar pela fazenda um bando de tuins, adeus. Ou você prende o tuim ou ele vai embora com os outros, mesmo ele estando preso e ouvindo o bando passar, esta arriscado ele morrer de tristeza". E o menino vivia de ouvido no ar com medo de ouvir bando de tuim.
Foi de manhã, ele estava cantando minhoca para pescar quando viu o bando chegar, não tinha engano: era tuim, tuim, tuim... Todos desceram ali mesmo em mangueiras, mamonas e num bambuzal, dividido em partes. E o seu? Já tinha sumido, estava no meio deles, logo depois todos sumiram para uma roça de arroz, o menino gritava com o dedinho esticado para o tuim voltar, mas nada dele vir.
Só parou de chorar quando o pai chegou a cavalo, soube da coisa e disse: " venha cá". E disse: " o senhor é um homem, estava avisado do que ia acontecer, portanto, não chore mais".
O menino parou de chorar, pois seu pai o havia consolado, mas como doía seu coração! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria na casa que foi uma beleza, até o pai confessou que ele também estivera muito infeliz com o sumiço do tuim.
Houve quase um conselho de família, quando acabaram as férias: deixar o tuim, levar o tuim para São Paulo? Voltaram para a cidade com o tuim, o menino toda hora dando comidinha a ele na viagem. O pai avisou: "aqui na cidade ele não pode andar solto, é um bicho da roça e se perde, o senhor está avisado".
Aquilo encheu de medo o coração do menino. Fechava as janelas para soltar o tuim dentro de casa, andava com ele no dedo, ele voava pela sala, a mãe e a irmã não aprovavam, o tuim sujava dentro de casa.
            Soltar um pouquinho no quintal não devia ser perigo, desde que ficasse perto, se ele quisesse voar para longe era só chamar, que voltava, mas uma vez não voltou. De casa em casa, o menino foi indagando pelo tuim: "que é tuim?" perguntavam pessoas ignorantes. "Tuim?" Que raiva! Pedia licença para olhar no quintal de cada casa, perdeu a hora de almoçar e ir para a escola, foi para outra rua, para outra.
Teve uma idéia, foi ao armazém de "seu" Perrota: "tem gaiola para vender?" Disseram que tinha. " Venderam alguma gaiola hoje?" Tinham vendido uma para uma casa ali perto.
Foi lá, chorando, disse ao dono da casa: "se não prenderam o meu tuim então por que o senhor comprou gaiola hoje?" O homem acabou confessando que tinha aparecido um periquitinho verde sim, de rabo curto, não sabia que chamava tuim. Ofereceu comprar, o filho dele gostara tanto, ia ficar desapontado quando voltasse da escola e não achasse mais o bichinho. "Não senhor, o tuim é meu, foi criado por mim". 
Voltou para casa com o tuim no dedo.
Pegou uma tesoura: era triste, era uma judiação, mas era preciso, cortou as asinhas, assim o bichinho poderia andar solto no quintal, e nunca mais fugiria.
Depois foi dentro de casa para fazer uma coisa que estava precisando fazer, e, quando voltou para dar comida a seu tuim, viu só algumas penas verdes e as manchas de sangue no cimento. Subiu num caixote para olhar por cima do muro, e ainda viu o vulto de um gato ruivo que sumia.
Acabou-se a triste história do tuim.


Parte 2 (Animais) - Crônica 3

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE PIO
Paulo Mendes Campos

No princípio do ano, para amenizar o reinício das aulas, as crianças compraram um pinto na feira.  Deram-lhe o nome de Pio. Todos que o antecederam tinham morrido, mas dessa vez residia no edifício uma senhora que entendia da sobrevivência de pinto de feira em apartamento perto do mar. Instruídas por ela, as crianças conseguiram manter acesa dentro de Pio a faísca da vida. Já de pequenino, mostrou-se pinto esquisito, achegado aos seres humanos e danado de andejo. Piava com monotonia os segundos todos do tempo, como se o chateasse a passagem das horas.
Em mudança de casa, passou dois dias subindo e descendo a escada, piando, piando, entre as pernas dos carregadores portugueses. Seu prestígio cresceu com o episódio; era tratado como gente e se orgulhava disso, assumindo um ar à vontade e presumido de bípede empenado.
Mas acabou me aborrecendo. Como as crianças tinham atingido a irremovível crise do cachorrinho, acabei cedendo, mas exigindo a extradição de Pio para a casa que o Zanine estava construindo na Barra da Tijuca.
Meses depois, ao visitar o amigo, Pio já era quase um galo, branco e bonito, mas extravagante e presunçoso. Indiferente ao terreiro, preferia desfilar na sala e na varanda, misturando-se às pessoas, peito estufado, chamando atenção para uma figura que ele queria irresistível.
Mais algum tempo, virou galo mesmo e aí não demorou a revelar os indícios neuróticos que o agitavam. Pio nunca tinha visto na vida outro ser galináceo.
Acreditava-se o único ente de sua raça, superior e absoluto. Firmou-se na crença carismática, deu para agredir os homens. Como estes se defendessem com a ponta do sapato, mudou de tática, bicando-lhes à traição a barriga da perna. Só respeitava o próprio Zanine, a quem não tinha afeição, mas considerava com gratuidade um aliado no combate contra o mundo. Seguia o dono por todos os cantos, não como um cão humilde, mas com a imponência do chefe de gabinete acompanhando o ministro.
Zanine, como aconteceu comigo, embora achasse graça na birutice de Pio, acabou saturado, dando o boboca de presente ao poeta Rubem Braga, que sempre foi um infalível receptador de aves desajustadas.
Já se sabe, o Braga é um fazendeiro do ar, morando entre hortaliças e cajueiros num décimo terceiro andar de Ipanema.
Insolente diante da natureza, Pio fez estragos na horta, desenterrou sementeiras, estraçalhou as couves, dando-se ainda à petulância de aborrecer, com relativo escândalo, a filha da cozinheira. Também o Braga, achando graça, foi complacente, impedindo que a cozinheira transformasse o doidinho em galo ao molho de cabidela. Mas acabou igualmente cheio, dando Pio ao hortelão português, dono de farto galinheiro no subúrbio. Antes, contudo, o galo foi colocado diante de um espelho, na esperança geral de que descobrisse o outro, o próximo, o irmão galináceo que ele devia amar como a si mesmo.
Não quis saber de nada, persistindo na neurose: durante meio minuto encarou a imagem com estupefação, deu-lhe as costas e se foi, único de sua espécie, dono da pretensão que o inflava da crista sanguínea ao facho da cauda.
Enfim chegou a hora do galinheiro, quando Pio passaria a viver uma vida normal dentro da comunidade, encontrando na força do amor a salvação.
Pois o bestalhão, mal ingressou no harém, matou a bicadas duas galinhas sinceras. E o português o comeu.

Parte 2 (Animais) - Crônica 4

O DIA DA CAÇA
Fernando Sabino

A caçada estava marcada para as 7 horas. Desde as 6, porém, Paulo e eu já estávamos de pé, aguardando a chegada de seu Chico Caçador.
- Seu Chico vai trazer as espingardas?
- Vai. E cachorro também.
- Cachorro? Para que cachorro?
Olhei com pena meu companheiro de aventura:
- Onde você já viu caçada sem cachorro, rapaz?
- Ele disse que hoje vai ser só passarinho.
- Passarinho para ele é codorna, macuco, essas coisas...
Em pouco chegava seu Chico, todo animado:
- Tudo pronto, meninos?
De pronto só tínhamos o corpo. Seu Chico trazia atravessadas às costas duas espingardas de caça e usava um gibão de couro, uma cartucheira, vinha todo fantasiado de caçador. Ao seu redor saracoteava um cachorro:
- O melhor perdigueiro destas redondezas.
Na varanda da fazenda, seu Chico se pôs a encher os cartuchos, meticulosamente, usando para isso uns aparelhinhos que trouxera, um saquinho de pólvora, outro de chumbo:
- Vai haver codorna no almoço para a família toda - dizia, entusiasmado.
Despedimo-nos comovidos da família e partimos através do pasto. Seu Chico, compenetrado, ia dando instruções, procurando impressionar:
- Parou, esticou o corpo, endureceu o rabo? Tá amarrado. É só esperar o bichinho voar e tacar fogo!
- Seu Chico, nós não vamos passar perto daquele touro, vamos?
- Aquele touro é uma vaca.
A vaca levantou a cabeça e ficou a olhar-nos, na expectativa.
- Por via das dúvidas, me dá aí essa espingarda.
Fomos passando com jeito perto da vaca.
- Bom dia - disse eu.
- Buu - respondeu ela.
Ao sopé do morro o cachorro se imobilizou.
- É agora! Me dá aqui a espingarda!
- Fiquem quietos - comandou seu Chico, num sussurro.
- Que foi, seu Chico? Não estou vendo nada...
Alguma coisa deslizou como um rato por entre o capim rasteiro, levantou vôo espadanando as asas.
- Fogo! Fogo!
Paulo atirou na codorna, eu atirei em seu Chico.
- Cuidado!
- Que bicho é esse?
Seu Chico suspirou, resignado:
- Era uma codorna. Não tem importância... Olha, quando atirar outra vez, vira o cano pro ar. O chumbo
passou tinindo no meu ouvido.
No ar ficaram apenas duas fumacinhas. Fomos andando, seu Chico carregou novamente nossas espingardas. Assim que o cachorro se imobilizava, ficávamos quietos, farejando ao redor, canos para o ar.
- Vira isso pra lá!
- Agora! Fogo!
Mal tínhamos tempo de ver uma coisa escura desaparecer no céu, como um disco voador.
- Asssim também não vai, seu Chico. Não dá tempo...
- Me dá aqui essa espingarda. Deixa eu matar a primeira para mostrar como é que é.
Andamos o dia todo pelo pasto. Nada de caça.
- Nem ao menos uma codorninha - suspirava seu Chico, quando o sol começou a dobrar o céu. - Tem dia que eu mato mais de quinze macucos.
Andando, subindo morro, saltando cerca, atravessando valas, pisando em barro, escorregando no capim. o estômago começou a doer.
- Seu Chico, o melhor é a gente desistir. Estamos com fome.
- Hoje no jantar vocês comem perdiz. Ou eu desisto de ser caçador.
Sua honra estava em jogo. A tarde avançava e seu Chico perscrutando o pasto, açulando o cachorro. Paulo, sentado num toco - desistira de andar: tirara o sapato e coçava o dedão do pé. Resolvi também fazer uma parada para caçar carrapatos. Seu Chico desapareceu numa dobra do terreno. De repente, pum! pum! - era o caçador solitário. Teria acertado desta vez? A vaca de novo. Vinha vindo pachorrentamente pela picada aberta por ela própria.
- Cuidado, Paulo! - preveni. - Olha a vaca.
Paulo se voltou para a vaca, que já ia passando ao largo:
- Buuu! - fez com desprezo.
A vaca se deteve, voltou-se nos flancos e de súbito disparou num pesado galope em sua direção. Paulo deu um salto, abriu a correr, passou por mim como um raio:
- Foge! Foge!
Atrás de nós a terra estremecia e a vaca bufava, escavando o chão com as patas.
- Seu Chico! Socorro!
Em poucos minutos e aos saltos, escorregadelas, trambolhões, cruzamos o terreno que leváramos toda a manhã a conquistar. Já na porteira da fazenda, nos voltamos para ver a vaca, que ficara para trás, entretida com uma touceira de capim.
- Devo ter falado algum palavrão em língua de vaca.
Em pouco regressava seu Chico, cabisbaixo, desmoralizado, quase chorando:
- Errei até em anu.
Procuramos consolá-lo:
- Um dia é da caça e outro do caçador, seu Chico.
Deixou conosco as espingardas e foi-se pelo pasto mesmo, evitando a fazenda e o opróbrio aos olhos dos moradores. Paulo e eu nos coçávamos, sentados no travão da cerca, quando ambos demos um grito:
- Epa! Que é aquilo?
- Você viu?
Uma caça, uma caça enorme! Um gigantesco galináceo que ao longe ganhava o morro em disparada, sumindo ali, surgindo lá - uma cegonha?
- Cegonha nada! Uma avestruz!
Saímos como loucos em perseguição da avestruz. Nas fraldas do morro disparamos o primeiro tiro.
- Socorro! - berrou a avestruz.
Deu um salto e abriu fuga com suas pernocas longas, morro acima. Ah, se seu Chico nos visse agora!
- Pum!
- Socorro!
E a ave pernalta fugia espavorida, escondendo-se na vegetação. Íamos no seu encalço, implacáveis.
- Pum! - trovejava a espingarda.
- Não! Não! - implorava a avestruz na sua fuga, largando penas pelo caminho.
A noite veio surpreender-nos do outro lado do morro, já às portas da cidade. Voltamos para a fazenda estropiados, roupas rasgadas, sapatos pesados de barro. Fomos recebidos com alegre expectativa.
- E então? Caçaram alguma coisa?
- Com seu Chico, nem um passarinho. Mas depois que ele foi embora quase apanhamos uma caça esplêndida, uma avestruz deste tamanho...
O dono da fazenda pôs as mãos na cabeça:
- Minha siriema, que eu mandei vir da Argentina! Imagine o susto da coitadinha!
Embarafustamo-nos pela cozinha, completamente derrotados.
- Que vamos ter hoje no jantar? - perguntei à cozinheira.
- Galinha ao molho pardo.
- Já matou?
- Não.
Empunhei a espingarda com decisão e voltei-me para o galinheiro, mas Paulo cortou-me os passos:
- Não faça isso! O crime não compensa.
E propôs que na manhã seguinte saíssemos para caçar borboletas.